terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Defesa de Direitos Humanos: bandidos e "humanos direitos"

Por Alexandra Beurlen

Não é de hoje que o conceito de direitos humanos é mal interpretado e sua defesa percebida como apoio aos “bandidos” e à impunidade. O debate é recorrente a cada crime bárbaro noticiado e a cada decisão judicial garantista proferida em casos que chamam atenção da opinião pública.

Soube que uma mulher teve mais de 50% do corpo queimado, por um vizinho, porque, segundo outros vizinhos, resistiu a seus encantos. Grande “ironia”: o marido da vítima, ao receber a notícia da violência, tentou matar o agressor e foi preso.

A síntese, quando tomei conhecimento: a vítima das queimaduras no hospital, desfigurada, apta a prestar algum tipo de depoimento, lá mesmo, sem previsão de alta e com grande risco de morte. Os dois homens presos.

Merece defesa o incendiário? E o marido? Quem você defenderia (ou não)? Por quê?

Se ganhei sua atenção até aqui, gostaria que fizesse um esforço para ler o texto até o fim. Vou fazer uma pequena digressão sobre uma característica dos direitos humanos para que possamos tentar chegar a um denominador comum.

Quando comecei a estudar o tema, chamaram minha atenção duas de suas principais características: interdependência[1] e universalidade. De formação moral e religiosa Cristã, nunca tive dificuldade em entender a linguagem dos direitos humanos, parece-me, em muitos aspectos, com o Novo Testamento e as pregações do Cristo, permeadas pelo amor a todas as pessoas (universal).

Dizer que um direito é universal é reconhecer que pertence a TODOS os seres humanos, pela sua condição humana apenas, sem qualquer distinção ou exceção. Na construção histórica para alcançar o que hoje chamamos direitos humanos, observou-se que a universalidade é sua essência.

Nesse processo, não se estava pensando no vizinho que tocou fogo na mulher; em alguém que mata outrem para roubar; em quem mata criança a caminho da escola; menos ainda em algum político corrupto; e, jamais, na construção de mecanismos de impunidade deles todos.

O desenvolvimento teórico do tema teve por objetivo, inclusive, a proteção dos inocentes e a promoção da Justiça, através da construção da garantia de um julgamento justo, por terceiro desinteressado (juiz) que ouça os argumentos de defesa e de acusação (com o mesmo cuidado e atenção) e, só então, formando sua convicção, julgue.[2]

Motivando-se pela sensação de impunidade que toma conta do país, todos os dias surgem movimentos e propostas que manipulam informações sobre o que seria a defesa de direitos humanos, tentam retirar desses direitos o seu âmago, a universalidade, e até mesmo pretendem atribuir sua titularidade aos que denominam “humanos direitos”.

Outras vezes, sob o pretexto de defesa dos “humanos direitos”, invertendo a lógica da própria existência do Estado, defendem a necessidade de o Estado ser mais enérgico e duro, mesmo que para tanto, viole direitos de “humanos NÃO direitos”.

Um problema que decorre desta proposta é definir, a priori, se aquele indivíduo é ou não “humano direito” e se deve ou não ter seus direitos humanos respeitados. Outro é identificar a quem seria atribuída essa missão: À sociedade? Ao Estado, através da polícia? À mídia refletida na opinião pública (ou vice-versa)?

Em uma reação passional comum em casos como o relatado, o vizinho piromaníaco estaria condenado à desumanidade. Não se haveria de discutir, em nenhum processo, sua responsabilidade e aplicar-lhe a consequência jurídica que o ordenamento prevê para condutas como a sua[3]. Na verdade, seria eliminado da face da terra, de preferência com bala paga por sua família, ou com outros requintes de crueldade que a mente humana é bem capaz de idealizar.

Para entender um pouco melhor a importância da universalidade dos direitos humanos, lembro que, a depender de quem esteja com o poder de dizer quem é o “humano direito”, o nobre leitor pode vir a não se encaixar no perfil imaginado, seja por ser uma mulher e não se entender adequado um “não” como resposta a uma “cantada”; seja por ser proprietário de algo; seja por ser uma criança negra e pobre a caminho da escola; seja por protestar contra a corrupção.

Se ainda persiste comigo, continuaremos a fundamentar a universalidade mudando um pouco o foco do ser humano a ser protegido, partindo do pressuposto de que, em pleno século XXI, não há quem defenda a escravidão e vamos todos falar a mesma língua, neste aspecto.

No berço da democracia, onde se votava em praça pública o destino da Grécia Antiga e se refletia sobre humanidade, política, cidadania e outros tantos conceitos filosóficos e científicos complexos, havia escravos.

Historicamente, habituados a nos dividirmos em categorias, adotamos estratégias para “desalmar” outros seres humanos, que passam a ser considerados inferiores, e justificar sua dominação, seu desprezo, e, até mesmo, seu extermínio. Foi assim com as colonizações, com a escravidão, com os negros libertos, com os índios, com as mulheres, com as crianças, com os deficientes, com os homossexuais...

Na velha linha do “manda quem pode, obedece quem tem juízo” o “bandido desalmado” de determinado momento histórico pode ser desde o judeu, o negro e o homossexual, como na Alemanha Nazista, ou o estudante que decide ter em casa livros censurados, na última ditadura brasileira. Esse formato de subjugação de “categorias inferiores” de seres humanos é comum em ditaduras[4] de qualquer matiz ideológica.

Após o horror provocado pelo Estado Nazista, decidiu-se que não era admissível à humanidade submeter-se àquilo novamente. Não era humano. Alguns povos do mundo começaram a se reunir para estabelecer um número mínimo de direitos invioláveis pertencentes a TODOS[5].

A ninguém mais seria dada a capacidade de dizer quem tem ou não direito à vida, à integridade física e psíquica, à liberdade, à dignidade humana, ao devido processo legal, à alimentação adequada, à água, à saúde, à educação, ao meio ambiente equilibrado, entre outros. Definiu-se que TODOS têm direito a esse núcleo mínimo de direitos a que chamou “direitos humanos”.

Merece destaque, no cenário americano, atual a situação da Bolívia. Em uma espécie de “autorização para matar”, a autoproclamada presidente Jeanine Añez baixou um decreto que retira dos integrantes das Forças Armadas a responsabilidade penal “no cumprimento de suas funções Constitucionais”, podendo usar “todos os recursos disponíveis” para tanto.[6] Em 17.11.2019, já haviam sido contabilizados, entre cidadãos que se manifestavam, 23 mortos e 715 feridos.[7] A “presidente” deu aos militares bolivianos o poder de decidir que cidadãos merecem ter seu direito humano à vida respeitado, em evidente violação à Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O Estado brasileiro, através da subscrição dos Tratados Internacionais e da própria Constituição Federal de 1988, estabelece a prevalência dos direitos humanos. É papel do Estado brasileiro, então, defendê-los, respeitá-los, protegê-los, promovê-los e, nunca violá-los. Entre os direitos humanos está a liberdade de expressão, a qual garante até mesmo a defesa pública e acalorada da ideia de que os direitos humanos devem deixar de ser universais, em um discurso de retrocesso e perigoso.

Não pode haver exceções e seletividade na proteção dos direitos humanos e é papel do Estado, garantida a liberdade de expressão, defender a universalidade dos direitos humanos. Não podem os representantes do Estado brasileiro agir de modo diferente. E é por isso que, quando o desrespeito a tais direitos parte de representante do Estado, temos que gritar mais alto e a responsabilização dos agentes públicos tem que ser exemplar![8]

Sem poder deixar de mencionar rapidamente a interdependência intrínseca aos direitos humanos, é indispensável registrar que não é possível a um tê-los reconhecidos e seguros quando outrem tiver os seus lesados. Mais: omitir-se diante dessa violação é admitir que uma guilhotina seja colocada sobre a própria cabeça.

“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar”[9]

Defender direitos humanos é defender a humanidade. É defender a si mesmo.

[1]Que vai merecer atenção em outro texto.

[2]Ao contrário dos inúmeros exemplos de processos inquisitórios cheios de superstições, manipulações e tantas outras características nocivas que a história do direito penal mostra, buscava-se o que hoje conhecemos como “devido processo legal”.

[3]Se a pena prevista em lei é suficiente, se penas mais severas, prisões perpétuas ou pena de morte asseguram redução da criminalidade; se os presídios recuperam; e qual deve ser o modelo de encarceramento são temas importantes, porém não os abordarei neste contexto.

[4]A garantia de direitos humanos é intimamente relacionada com a democracia.

[5]Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.

[6]https://internacional.estadão.com.br/noticias/geral,governo-da-bolivia-isenta-militares-de-responsabilidade-penal,70003092087 (acesso em 20.11.2019).

[7]https://noticias.uol.com.br/internacioanl/ultimas-noticias/2019/11/17/bolivia-tem-23-mortes-em-mes-de-crise-cidh-critica-decreto-pro-militares.htm (acesso em 20.11.2019)

[8]Há diferença clara entre um cidadão comum e um policial que matam; entre um vizinho e um Promotor de Justiça que perseguem; entre um popular e um Magistrado que decidem com base em interesses pessoais; entre o menino de rua que furta e o político corrupto que lesa o erário. Todos estão errados e devem ser punidos, mas os danos gerados pelos erros dos representantes do Estado são infinitamente maiores, por isso a necessidade de um esforço coletivo para que não volte a ocorrer. Isso não significa, de forma alguma, errar novamente, violando os direitos desses “criminosos desalmados”.

[9]Martin Niemoller, teólogo protestante alemão.

Alexandra Beurlen é promotora de Justiça do MP-AL e Coordenadora do Proinfância.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Nota de apoio

Nós, Promotores de Justiça da Infância e Juventude dos mais diversos estados do país, tendo tido notícia da representação nº 1.00738/2019, junto ao Egrégio Conselho Nacional do Ministério Público, acerca da atuação do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte na fiscalização do processo de escolha de conselheiros tutelares de Mossoró, gostaríamos de registrar, com o objetivo de contribuir na contextualização da questão, que a norma do art. 139 do Estatuto da Criança e do Adolescente, tem sido há anos objeto de perplexidade e preocupação de todos os Promotores de Justiça que atuam na área, ao atribuir ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente a responsabilidade pela realização do processo de escolha, em substituição ao Tribunal Regional Eleitoral, como pretendia a redação original do Estatuto. Com a data unificada para o processo de escolha em todo território nacional, estabelecida por alteração legislativa de 2012, os enormes desafios ganharam visibilidade, inclusive no que se refere aos parâmetros de atuação do Ministério Público como órgão fiscalizador – de forma compatível com nossa missão constitucional – diante da fragilidade das poucas disposições legais existentes, suplantadas apenas por regulamentação elaborada pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente. 

Especialmente no que se refere à fiscalização do processo de escolha de Mossoró, gostaríamos de registrar que o Promotor de Justiça da Infância e Juventude com atribuição é profissional que honra seus pares por sua extrema dedicação e empenho no exercício das atribuições ministeriais, sendo constantemente citado como exemplo de atuação funcional para todos nós subscritores. 

Brasília/DF, 25 de novembro de 2019. 
ADELTON ALBUQUERQUE MATOS - AM

ALEXANDRA BEURLEN - AL

ALEXANDRE FLÁVIO MEDEIROS - AP

ALEXSSANDRA MUNIZ MARDEGAN - PA

ANA CAROLINA PAES DE SA MAGALHAES - PE

ANA GABRIELA FERNANDES BLACKER ESPOZEL - RJ

ANA LÚCIA IVANESCIUC DE VALLIM BRAGA HIPÓLITO - ES

ANDERSON PEREIRA DE ANDRADE - DF

ANDRÉ SILVARES VASCONCELOS - MG

ANDRÉ TUMA DELBIM FERREIRA - MG

ANDRÉA SANTOS SOUZA - SP

ANTONIA LIMA SOUSA - CE

CARLA BRANT CORREA SEBBA RORIZ - GO

CINARA VIANNA DUTRA BRAGA - RS

CINTIA ROBERTA GOMES DE LIMA - MG

CLAUDIA MARIA RAPOSO DA CAMARA COELHO - AM

CRISTIANA FERREIRA MOREIRA CABRAL DE VASCONCELLOS - PB

CRISTIANE CAMPOS AMORIM BARONY - MG

DANIELLE CRISTINE CAVALI TUOTO - PR

DAVID KERBER DE AGUIAR - PR

DENISE CASANOVA VILLELA - RS

ELAINE CRISTINA PEREIRA ALENCAR - PB

ELANDERSON LIMA DUARTE - AM

ENAILE LAURA NUNES DA SILVA - MT

EPAMINONDAS DA COSTA - MG

FABRÍCIA BARBOSA LIMA - MS

FERNANDA ABREU OTTONI DO AMARAL - RJ

FERNANDA NAGL GARCEZ - PR

FLÁVIA DA SILVA MARCONDES - RJ

FLÁVIA DE ARAÚJO FERRER - RJ

FLAVIA PATRICIA CUPERTINO ALCANTARA - MG

FLÁVIO OKAMOTO - SP

FRANCISCA SILVIA DA SILVA REIS - PI

HELGA BARRETO TAVARES - CE

IRANILSON DE ARAUJO RIBEIRO - AM

ISABELITA GARCIA GOMES NETO ROSAS - RN

JESSIKA LIMA DA LUZ - ES

JOÃO LUIZ DE CARVALHO BOTEGA - SC

JOSELISSE NUNES DE CARVALHO COSTA - PI

JULIANA COUTO RAMOS SARDA - PB

KARINA SEIKO HASHIZUME - MG

KARINA VALESCA FLEURY - RJ

KONRAD CESAR RESENDE WIMMER - TO

LIA MAACA LEAL VASCONCELOS PALÁCIO - CE

LILIAN NARA PINHEIRO DE ALMEIDA - AM

LUCIANA CAIADO FERREIRA - RJ

LUCIANA LINERO - PR

LUCIANA PEREIRA GRUMBACH CARVALHO - RJ

LUCIANA ROCHA DE ARAUJO BENISTI - RJ

LUCIANO MACHADO DE SOUZA - PR

LUIZ GONZAGA REBELO FILHO - PI

LUIZA GOMES AMOEDO - BA

MANOEL ONOFRE DE SOUZA NETO - RN

MÁRCIA DENISE KANDLER BITTENCOURT MASSARO - SC

MÁRCIO FLORESTAN BERESTINAS - MT

MÁRCIO THADEU SILVA MARQUES - MA

MARCOS ALMEIDA COELHO - BA

MARCOS MORAES FAGUNDES - RJ

MARCUS AURÉLIO DE FREITAS BARROS - RN

MARIANA BAZZO - PR

MARIANA REBELLO CUNHA MELO DE SÁ - RN

MAURICIA MARCELA CAVALCANTE MAMEDE FURLANI - CE

MICHELE ROCIO MAIA ZARDO - PR

MILLEN CASTRO MEDEIROS DE MOURA - BA

MIRELLA DE CARVALHO BAUZYS MONTEIRO - SP

MOACIR SILVA DO NASCIMENTO JÚNIOR - BA

MÔNICA LOUISE DE AZEVEDO - PR

NATALIE RISKALLA ANCHITE - SP

NICOLAU BACARJI JUNIOR - MS

OLEGÁRIO GURGEL FERREIRA GOMES - RN

PEDRO DE MELLO FLORENTINO - GO

REGIANE BRITO COELHO OZANAN - PA

RENATA LORDELLO COLNAGO - ES

RENATA LUCIA MOTA LIMA DE OLIVEIRA RIVITTI - SP

RENATO LISBOA TEIXEIRA PINTO - RJ

RODRIGO CEZAR MEDINA DA CUNHA - RJ

RODRIGO MIRANDA LEÃO JÚNIOR - AM

ROMINA CARMEN BRITO CARVALHO - AM

RÔMULO LINS ALVES - SE

ROSANA BARBOSA CIPRIANO DE SOUZA - RJ

SANDRA ANGÉLICA PEREIRA SANTIAGO - RN

SANDRA DA HORA MACEDO - RJ

SANDRO CARVALHO LOBATO DE CARVALHO - MA

SARAH CLARISSA CRUZ LEÃO - AM

SIDNEY FIORI JUNIOR - TO

SORAYA SOARES DA NÓBREGA ESCOREL - PB

TATIANA ALSTER - RS

ULIANA LEMOS DE PAIVA - RN

VALÉRIA BARROS DUARTE DE MORAIS - ES

VALMOR JÚNIOR CELLA PIAZZA - RS

VANIA MARIA DO P S MARQUES MARINHO - AM

VIVIANE VERAS DE PAULA COUTO – PA

YNNA BREVES MAIA - AM

Atualizada em 5.12.2019.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Fórum Proinfância realiza reunião em Goiânia


Na tarde de hoje (5), durante o Congresso Nacional do Ministério Público, foi realizada reunião do Fórum Nacional dos Membros do Ministério Público da Infância e Adolescência. Os coordenadores Alexandra Beurlen (MPAL), Karel Ozon Monfort Couri Raad (MPDFT) e Mirella de Carvalho Bauzys Monteiro (MPSP) presidiram os trabalhos e participaram dezenas de membros do Ministério Público de diversos estados e do Distrito Federal.

O evento discutiu os trabalhos das comissões que compõem o fórum, divulgou as ferramentas de interação entre os associados e contou com exposição da Promotora de Justiça Andrea Teixeira de Souza (MPES) sobre os trabalhos desenvolvidos pela Comissão da Infância e Juventude (CIJ) do CNMP e pela Comissão Permanente da Infância e Juventude (COPEIJ).

Na oportunidade, também foi divulgada a programação provisória do Seminário Financiamento de Políticas Públicas para Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes, que ocorrerá nos dias 7 e 8 de novembro de 2019, na Sede do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.











segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Seminário debate relação dos microssistemas jurídicos da infância



As discussões vão contribuir para melhoria do Sistema de Justiça da Infância

Brasília, 07/12/18 - O Ministério da Justiça promove o seminário Relação dos Microssistemas Jurídicos da Infância com o Direito Internacional, no próximo dia 13/12. O evento continua os debates sobre a garantia constitucional dos direitos da infância, iniciados em setembro passado em encontro com a presença das autoridades máximas dos tribunais superiores, PGR, Defensoria Pública Federal e Tribunal de Justiça do Distrito Federal e o ministro da Justiça, Torquato Jardim.
No seminário do dia 13, as discussões vão contribuir para melhoria do Sistema de Justiça da Infância, por meio da promoção de um espaço de socialização de avanços normativos, experiências, debates e proposições de pesquisas e encaminhamentos.
Os temas abordados serão: direito ao brincar, interação com jogos eletrônicos, adoção internacional, regulação internacional sobre publicidade infantil, erradicação do trabalho infantil; aplicação da Lei da escuta Protegida; crianças e adolescentes migrantes não documentados; enfrentamento do tráfico de crianças e adolescentes; filhos de mães encarceradas; responsabilidade penal na adolescência, impactos da Lei de Alienação Parental nos vínculos familiares, dentre outros.
O seminário é resultado da parceria com os ministérios da Segurança Pública; dos Direitos Humanos; das Relações Exteriores e do Desenvolvimento Social. Apoiam a iniciativa o TST, CNJ, CNMP, Anadep, Unicef, Abraminj, Fonajup, Proinfância, OEI, Rede Nacional Primeira Infância, Instituto Alana e Ibdcria/ABMP.
Inscreva-se aqui

sábado, 6 de outubro de 2018

Seminário de Socioeducação

Realizado no Sede do Ministério Público do Estado da Bahia, entre os dias 29 e 30 de novembro de 2018.

PROGRAMAÇÃO

QUINTA-FEIRA (29/11)

8h Credenciamento

8h 30min Abertura

9h Conferência de abertura

Paula Gonçalves (Ministério Francês da Justiça) - TextoSlides

10h Painel 1 - Remissão antes de iniciado o procedimento judicial e na audiência de apresentação: critérios, limites e possibilidades.

Presidente: Leonardo Accioly (CNMP)

Painelistas: Márcio Rogério de Oliveira (MPMG) e Danielle Cristine Cavali Tuoto (MPPR) - Slides - Slides

12h Intervalo

14h Painel 2 - Medidas socioeducativas no Brasil e na França: olhares sobre atribuições e competências

Presidente: Karel Ozon Monfort Couri Raad (MPDFT)

Painelistas: Flávia Ferrer (MPRJ) e Gilles Proisy-Lecocq (Tribunal de Thonon-les-Bains) - Slides - Texto

16h Discussão das experiências exitosas a serem apresentadas no Congresso Nacional de 2019

Tutela do direito ao respeito de adolescentes acusados - Moacir Silva do Nascimento Júnior (MPBA) - Slides

18h Encerramento

SEXTA-FEIRA (30/11)

8h 30min Painel 3 - Unificação das medidas socioeducativas: aspectos legais, jurisprudenciais e doutrinários

Presidente: Manoel Onofre de Souza Neto (MPRN)

Painelistas: Epaminondas da Costa (MPMG) e Nelson Santana do Amaral (TJBA) - Slides

11h Conferência de encerramento

Ludmila de Ávila Pacheco (IBDCRIA)

12h Encerramento do seminário


NOTÍCIA

Seminário no MP debate novos caminhos para a socioeducação

Seminário de Socioeducacão é realizado no MP

FOTOS DO EVENTO















sexta-feira, 5 de outubro de 2018

30 anos do Artigo 227 nos lembra: criança é prioridade absoluta

Pedro Hartung

Estamos vivendo tempos difíceis. Seja qual for sua posição político-ideológico-partidária, nuvens acinzentadas de palavras ríspidas, emoções turbulentas e comportamentos enraivecidos se avolumam sobre nossas cabeças. O afeto e o respeito caminham maltrapilhos pelas ruas de nossas cidades, famílias ou grupos de Whatsapp, buscando um canto, pequenino que seja, para se alojarem.

Em tempos de crise, dizem os velhos sábios, devemos parar, respirar e reavaliar o percurso que fizemos até aqui, buscando nas nossas histórias e memórias os caminhos atravessados, as decisões tomadas e ainda, as oportunidades de escolhas que temos em nossa frente, para evitar os erros já cometidos no passado.

Talvez não tenha momento mais oportuno do que exatamente nesta sexta-feira anterior a uma das eleições mais importantes da história do Brasil, a Constituição Federal de 1988, documento base do Estado democrático pós ditadura civil-militar, completa 30 anos de sua promulgação. Uma intensa caminhada, ainda que muitas vezes errante ou paradoxal, com acertadas e importantes travessias na garantia das liberdades e direitos sociais de todos os cidadãos brasileiros.

Quando toda a população brasileira foi convocada a escrever as linhas pelas quais nosso novo pacto social foi firmado, uma intensa mobilização de diferentes grupos, temas e causas foi feita para que o novo texto expressasse as demandas e anseios de uma sociedade que experimentava sonhar novamente, mesmo após ter sorvido o cálice amargo da violência e da tortura sistemáticas de agentes estatais contra aqueles que ousavam discordar ou apenas questionar.

Novos sonhos para todos e também para as crianças e adolescentes. Inclusive, foram elas, junto a diversas organizações da sociedade civil, que se organizaram no movimento “Criança, Prioridade Nacional” pela emenda popular com maior apoio registrado à época, quase 2 milhões de assinaturas, para que seus interesses e Direitos fossem cuidados de forma especial pelos constituintes. Nascia, também há 30 anos, o Artigo 227 da Constituição Federal.

Como pedra angular de um novo mundo, o Artigo 227 fundou a obrigação para que o interesse de crianças e adolescentes seja colocado antes de qualquer outro em todas as decisões e preocupações do Estado e seus Poderes, da Sociedade e suas instituições e de todas as formas de famílias e suas comunidades, em uma responsabilidade de cuidado compartilhada e solidária.

Assim, inaugurou-se um novo tempo, no qual é dever, legal e moral, de todos nós, garantir com Absoluta Prioridade os direitos de todas as crianças e adolescentes, inclusive os filhos dos outros e os filhos de ninguém, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A força desta regra constitucional subsiste à aplicação de qualquer método de interpretação legal, devendo ser efetivado independentemente das circunstâncias, com eficácia plena e aplicabilidade imediata. Não está e não pode estar sujeita ao sabor ou dissabor dos ventos ideológicos, partidários, sociais ou econômicos. Ou seja, o melhor interesse da criança deve estar, por força constitucional, sempre em primeiro lugar.

Em primeiro lugar no orçamento público; em primeiro lugar nas políticas públicas; em primeiro lugar na elaboração das novas leis; em primeiro lugar nas decisões e políticas judiciais; em primeiro lugar nas escolas e hospitais; em primeiro lugar nos cuidados familiares; e em primeiro lugar nessas eleições.

Amanhã vai ser outro e um novo dia. O dia em que podemos escolher com responsabilidade e conhecimento histórico do que já conquistamos como sociedade brasileira, reafirmando nosso compromisso com os valores democráticos e republicanos da Constituição de 1988; o dia que devemos garantir, de uma vez por todas, absoluta prioridade a crianças, adolescentes e seus direitos, efetivando esse projeto de país estratégico e benéfico a todos nós.

As crianças são seres de dois mundos: do presente e do futuro.
Respiremos. Reflitamos. Diante desta crise, o Artigo 227 da Constituição Federal de 1988 é um farol reluzente a nos guiar nesses turbulentos e perigosos mares.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Ministério da Justiça recebe seminário “Justiça Começa na Infância: a Era dos Direitos Positivos”




O papel das instituições e dos agentes do sistema de justiça para a efetividade do Marco Legal da Primeira Infância.

Brasília, 11/9/2018 – O Ministério da Justiça receberá, no dia 18 de setembro, o seminário “Justiça Começa na Infância: a Era dos Direitos Positivos”. O evento está programado para acontecer no Auditório Tancredo Neves e será transmitido ao vivo, na sede do Palácio da Justiça, entre 9h e 18h.
O objetivo do evento é integrar contribuições e qualificar o papel das instituições e dos agentes do sistema de justiça para a efetividade do Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257, de 8 de março de 2016).
A iniciativa é uma ação conjunta da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (VIJ-DF), da Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude (Abraminj), do Fórum Nacional da Justiça Protetiva (Fonajup), da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, do Instituto Alana, do Instituto Brasileiro de Direito da Criança e do Adolescente (IBDCRIA-ABMP), do Fórum Nacional dos Membros do Ministério Público da Infância e Adolescência (Proinfância) e da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), com apoio do Ministério da Justiça, da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), do Fórum Nacional da Justiça Juvenil (Fonajuv), do Fórum Nacional da Justiça Criminal (Fonajuc), da Fundação Bernard van Leer e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Primeira infância
A primeira infância abrange os primeiros seis anos completos de vida da criança. É um período decisivo e fundamental para o desenvolvimento de qualquer pessoa e essa fase é marcada por vários processos de desenvolvimento, que são influenciados pelas condições ambientais em que a criança está inserida, assim como pelos estímulos que recebe e pela qualidade dos vínculos afetivos e de cuidado.
Justamente por isso, o começo da vida recebeu atenção específica por parte da legislação nacional no âmbito do Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257 de 2016), reforçando a Doutrina de Proteção Integral de Crianças e Adolescentes prevista no Artigo 227 da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Considerando que o Sistema de Justiça tem grande responsabilidade na efetivação deste cuidado protetivo e promotor de direitos de crianças durante a primeira infância, a realização de um Seminário que venha debater o assunto de forma exclusiva torna-se relevante já que o intuito é construir estratégias conjuntas de transformação e de sensibilização dos profissionais e agentes envolvidos com o tema.
Clique aqui para acessar os videos do evento.

terça-feira, 24 de abril de 2018

Proinfância entrega representação contra o Provimento 63/2017 da Corregedoria Nacional de Justiça


Na manhã desta terça-feira (24/4), o Promotor de Justiça Millen Castro (MPBA), em nome da Coordenação do Proinfância, realizou a entrega da representação dirigida à Procuradora-Geral da República, para ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade contra o Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017, editado pela Corregedoria Nacional de Justiça, que foi aprovada à unanimidade durante a Assembleia Geral que ocorreu no Rio de Janeiro, durante o V Congresso Nacional do Proinfância.

As razões da representação, assinadas por cinquenta e dois participantes do evento (texto abaixo), foram entregues em Brasília/DF ao Procurador de Justiça Nedens Ulisses (MPMG), Secretário de Relações Institucionais do CNMP, na presença do Presidente da CONAMP, Victor Hugo, da Promotora de Justiça Andrea Teixeira (MPES), Membro Auxiliar da Comissão da Infância e Juventude do CNMP, e da Promotora de Justiça Luciana Rocha, integrante da Coordenação do CAO Infância e Juventude do MPRJ.

Durante o Congresso também foi aprovado à unanimidade o seguinte enunciado sobre a matéria:

Enunciado n° 7 - O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva regulado pelos arts. 10 a 15 do Provimento nº 63/2017 da Corregedoria Nacional de Justiça é inconstitucional por violar o art. 1°, parágrafo único, o art. 2°, o art. 22, I, o art. 103-B, § 4°, I, e § 5º, o art. 127, “caput”, e o art. 227, “caput” e §§ 5° e 6°, da Constituição Federal.

Todos os enunciados do Fórum podem ser acessados clicando aqui.

REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE

Os participantes do V Congresso Nacional do Proinfância (Fórum Nacional dos Membros do Ministério Público da Infância e Adolescência) que subscrevem este documento apresentam à Assembleia Geral, com fundamento no art. 2º, I e V, do Regimento Interno, proposta de representação por inconstitucionalidade com base nos fundamentos jurídicos expostos a seguir.

Em novembro de 2017, houve ampla divulgação do Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017, editado pela Corregedoria Nacional de Justiça (Provimento 63/2017-CNJ), por meio do qual foram disciplinados, dentre outros temas, “o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva”. Não há dúvida quanto à importância do reconhecimento jurídico de vínculos de filiação formados a partir de longa convivência, marcada por relações de amor, afeto, cuidado, que devem gerar reflexos no universo jurídico dos envolvidos. Existe sólida produção doutrinária e pacífica jurisprudência sustentando a viabilidade de alguém figurar como mãe ou pai de quem não é, biologicamente, sua filha ou seu filho. O próprio Supremo Tribunal Federal (RE 898060, Tribunal Pleno, j. 21/09/2016) decidiu, em sede de repercussão geral, ser possível coexistir dupla paternidade.

No entanto, mesmo no sistema previsto pelo revogado Código de Menores, no qual estavam expressamente elencadas hipóteses de delegação do pátrio poder e de adoção simples, a intervenção judicial homologatória era imprescindível, com prévia audiência do Ministério Público (art. 22, II), constando do art. 28 que “a adoção simples dependerá de autorização judicial, devendo o interessado indicar, no requerimento, os apelidos de família que usará o adotado, os quais, se deferido o pedido, constarão do alvará e da escritura, para averbação no registro de nascimento do menor” (destacado).

A reserva jurisdicional em matéria de adoção está prevista na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, em vigor no Brasil por força do Decreto nº 99.710, de 21/11/1990, que prescreve em seu art. 21: “Os Estados Partes que reconhecem ou permitem o sistema de adoção atentarão para o fato de que a consideração primordial seja o interesse maior da criança. Dessa forma, atentarão para que: a) a adoção da criança seja autorizada apenas pelas autoridades competentes, as quais determinarão, consoante as leis e os procedimentos cabíveis e com base em todas as informações pertinentes e fidedignas, que a adoção é admissível em vista da situação jurídica da criança com relação a seus pais, parentes e representantes legais e que, caso solicitado, as pessoas interessadas tenham dado, com conhecimento de causa, seu consentimento à adoção, com base no assessoramento que possa ser necessário” (destaques acrescidos).

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto nº 678, de 6/11/1992, ao regular o direito ao nome, no art. 18, dispõe que “Toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esse direito, mediante nomes fictícios, se for necessário” (destacado). O regramento por meio de lei decorre da necessidade de que assuntos sensíveis como esse gozem da legitimidade democrática conferida por discussões e deliberações do Poder Legislativo. Nessa linha, o texto constitucional brasileiro foi claro ao fixar a competência privativa da União para legislar sobre direito civil (art. 22, I, da Constituição Federal).

Constam disposições normativas sobre o procedimento de reconhecimento de filhos no Código Civil (art. 1.607 e seguintes) e na Lei nº 8.560/92, esta prevendo a atuação do oficial de registro civil unicamente na comunicação necessária à averiguação oficiosa pelo Ministério Público (art. 2º). O legislador silencia quanto a efeitos jurídicos imediatos do ato de reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva de criança ou adolescente, o que impõe a propositura de ação para que o vínculo seja judicialmente provado e declarado, com atuação obrigatória do Ministério Público (art. 127, caput, da Constituição Federal e art. 698 do Código de Processo Civil), para que, a partir disso, incida a regra de isonomia do art. 227, § 6º, da Constituição Federal, assim redigido: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

A adoção, por sua vez, enquanto procedimento também apto à formalização do vínculo de filiação socioafetiva, sempre com a assistência do “Poder Público, na forma da lei” (art. 227, § 5º, da Constituição Federal), quando disser respeito a criança ou a adolescente, nos termos do art. 1.618 do Código Civil, “será deferida na forma prevista pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990” (Redação dada pela Lei nº 12.010/2009). O art. 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente, nesse sentido, enuncia que “o vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão” (Destacado).

A sentença judicial pressupõe intervenção do Ministério Público, sob pena de nulidade, considerando a regra do art. 204 do Estatuto, e, mais importante, a atuação de equipe interprofissional, responsável por “fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico” (art. 151 do Estatuto). Uma vez que ao Judiciário é levada questão que envolve aspectos intimamente ligadas a áreas do saber diversas da jurídica, como a psicologia, a intervenção de especialistas é pressuposto de uma boa decisão.

Segundo Evani da Silva e Sonia Rovinski, “discutir tais relações socioafetivas, identificando as representações familiares da criança, é algo muito complexo para se submeter a uma avaliação psicológica, pois envolve não só́ as representações da própria criança em relação aos adultos, mas também desses adultos em relação à criança”. (A família no judiciário. In: Psicologia de família: teoria, avaliação e intervenções. Porto Alegre: Artmed, 2012, p. 212) Conclui-se que, a avaliação que antecede o reconhecimento do vínculo socioafetivo, mais do que técnica, deve ser ampla e multidisciplinar.

Para Katia Maciel, “o estabelecimento do vínculo socioafetivo deve restar plenamente evidenciado, notadamente em se tratando de criança e de adolescente, para que a identidade dos pequenos não seja mutilada e fragilizada [...]. Hodiernamente, ainda, a responsabilidade da ‘referência parental’ estabelecida pelo Estado-juiz tem-se posto mais cuidadosa ao apreciar as lides de pais e mães que pretendem conceder às crianças e aos adolescentes a dupla paternidade e a dupla maternidade” (Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 177-178).

Destacando a tônica do legítimo interesse da criança e do adolescente no âmbito da socioafetividade, Christiano Cassettari afirma que “ao padrasto é conferida legitimidade ativa e interesse de agir para postular a destituição do poder familiar do pai biológico da criança. Entretanto, todas as circunstâncias deverão ser analisadas detidamente no curso do processo, com a necessária instrução probatória e amplo contraditório, determinando-se, outrossim, a realização de estudo social ou, se possível, de perícia por equipe interprofissional [...]” (Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 44)

O Corregedor Nacional de Justiça, ao editar o Provimento 63/2017-CNJ, no uso da competência prevista no art. 8º, X, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, de “expedir Recomendações, Provimentos, Instruções, Orientações e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos órgãos do Poder Judiciário e de seus serviços auxiliares e dos serviços notariais”, disciplinou o “reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva” (art. 10), a ser processado por oficiais de registro civil de pessoas naturais, e incluiu previsão de multiparentalidade reconhecida extrajudicialmente, ao permitir que o registro tenha até dois pais e duas mães (art. 14).

Ausente dispositivo legal que ampare o ato regulamentar, tal autoridade fez referência, nos considerandos, ao precedente do Supremo Tribunal Federal (RE 898060, Tribunal Pleno, j. 21/09/2016) que se limitou a declarar a possibilidade de “coexistência da dupla paternidade: a socioafetiva de um lado; e, de outro, a biológica. […] concomitante, posterior ou anterior” (Voto do Ministro Ricardo Lewandowski), não constando dos debates menção à licitude da declaração de paternidade por quem sabe não possuir vínculo biológico (adoção à brasileira). Observe-se, quanto a esse tema, que nos considerandos que fundamentam o Provimento 63/2017-CNJ, há referência a “adoção iniciada antes do registro de nascimento”.

Segundo Jorge Fujita, “adoção à brasileira é a que consiste no reconhecimento registral de determinada pessoa como sendo filho de outros que não se traduzem como seus pais biológicos, sem obedecer aos trâmites legais, caracterizando um procedimento irregular, tipificador de crime de parto suposto, constante no art. 242, do Código Penal” (Filiação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 79). No mesmo sentido, Belmiro Pedro Welter afirma que a adoção à brasileira “se dá com a declaração falsa e consciente de paternidade e maternidade por quem não é o genitor(a) da criança, sem a observância das exigências legais para a adoção. Também tipifica a adoção à brasileira o reconhecimento espontâneo de paternidade por quem sabe não ser o pai biológico” (Teoria tridimensional no Direito de Família: reconhecimento de todos os direitos das filiações genética e socioafetiva. Revista do Ministério Público do RS, Porto Alegre, n. 62, abr. 2009, p. 12). Já Katia Maciel enfatiza que “a natureza jurídica do reconhecimento judicial ou do voluntário é a de um ato declaratório porque não cria a paternidade – pois já́ existia, antes da declaração judicial – e produz efeitos ex tunc, retroagindo ao dia do nascimento” (Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 164).

Christiano Cassettari, em trabalho acadêmico que analisa e debate o reconhecimento voluntário de paternidade ou maternidade socioafetiva, ressalva que isso só deve ocorrer “no caso de o filho não ter pai e/ou mãe no assento do nascimento, pois, caso contrário, seria um caso de ‘adoção à brasileira’, ato ilícito e repudiado pelo sistema, e que não pode ser defendido e muito menos estimulado pela doutrina” (Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 87, destacado). Nem essa mínima cautela foi observada pelo Provimento 63/2017-CNJ, que ostenta caráter normativo primário, por inovar o ordenamento jurídico dispondo sobre polêmica questão de direito civil.

Acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, o art. 103-B, § 4º, I, da Constituição Federal, assim está redigido: “Art. 103-B. [...] § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências”.

Ao analisar a amplitude do Poder Normativo do Conselho Nacional de Justiça, Morgana Richa sustenta que tal órgão “tem competência para editar diplomas normativos primários, fundamentados em preceitos da própria Constituição Federal, ainda que não exista lei formal disciplinando a matéria. [...] Esse poder normativo, contudo, não é soberano nem ilimitado, mas está associado às atribuições constitucionais do CNJ. A prerrogativa de editar atos normativos primários deve ser exercida somente no âmbito de sua competência (controle administrativo, financeiro e funcional do Poder Judiciário) e observar os preceitos da Constituição: onde esta proíbe, não é dado ao CNJ autorizar; onde autoriza, não lhe é permitido negar. [...] Direitos fundamentais que não se relacionem com a condução administrativa, financeira e funcional do organismo judicial não podem ser tocados pelo CNJ. [...] A exigência constitucional de reserva de lei, ainda que relativa a tema pertinente ao Poder Judiciário, afasta a competência normativa do Conselho e remete ao Poder Legislativo a disciplina da matéria. Se o constituinte originário ou reformador foi explícito em reservar à lei formal a disciplina de determinado tema (sinalizando que ele deve ser normatizado pelo Parlamento), está o CNJ impedido de editar ato normativo sobre a matéria” (Conselho Nacional de Justiça: fundamentos, processo e gestão. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 284-285, destaques acrescidos).

De forma mais objetiva, Ilton Robl Filho indica três limitações ao exercício do poder regulamentar do Conselho: “(a) estabelecer novos direitos e deveres, (b) criar regras gerais e abstratas e (c) restringir direitos fundamentais. [...] Esse poder regulamentar possui uma função parecida com as leis medidas, devendo o CNJ exercer esse poder no âmbito de sua competência (atuações financeiras e orçamentárias, cumprimento dos deveres judiciais e outras competências postas na Constituição e no Estatuto da Magistratura)” (Conselho Nacional de Justiça: Estado democrático de direito e accountability. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 269, destacado).

Tal questão foi inicialmente observada pelo Ministro João Otávio de Noronha, conforme trecho da decisão proferida nos autos Pedido de Providências nº 0002653-77.2015.2.00.0000, quando assim se manifestou o Corregedor Nacional de Justiça: “temerário seria se este Conselho Nacional de Justiça reconhecesse a possibilidade de registro em cartório de múltiplos vínculos de filiação quando a discussão ainda não se encontra madura no âmbito do Poder Judiciário e inexiste norma legal que autorize o múltiplo registro de pais no assento de nascimento. Extrapolaria este Conselho as suas atribuições previstas na Constituição Federal, no seu Regimento Interno e no Regulamento da Corregedoria Nacional de Justiça, além de violar frontalmente a separação entre os Poderes da Federação”. (Documento nº 17030911342410300000002058078, destacado, disponível em <https://www.cnj.jus.br:443/pjecnj/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam>).

As atribuições constitucionais do Ministro-Corregedor, por sua vez, não incluem a edição de norma jurídica de caráter primário, já que os incisos do art. 103-B, § 5º, abrangem – (a) receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos serviços judiciários; (b) exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral; e (c) requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de juízos ou tribunais, inclusive nos Estados, Distrito Federal e Territórios.

Mesmo que não se tratasse de ato monocrático, editado com base em atribuição regulamentar de um dos membros do Conselho Nacional de Justiça, mas de resolução do colegiado, elaborada com base no dispositivo constitucional antes mencionado e seguindo o procedimento previsto no art. 102 do seu Regimento Interno, ainda estaria presente o vício da inconstitucionalidade, decorrente do ingresso, por instância administrativa, no campo normativo reservado ao Congresso Nacional (art. 22, I, da Constituição Federal).

Necessário, além da exposição do vício formal do Provimento 63/2017-CNJ, chamar atenção para a simplificação excessiva de um procedimento extremamente complexo do ponto de vista técnico, ao exigir apenas a conferência de poucos documentos e a manifestação de vontade dos envolvidos, permitindo que no mesmo dia em que se decida pela constituição do vínculo jurídico de filiação os interessados consigam concluir o procedimento. Comparando tal modelo simplificado com os requisitos necessários ao registro de um simples projeto de desmembramento de imóvel, inevitável concluir pelo equívoco do modelo procedimental traçado pela Corregedoria Nacional de Justiça.

O art. 11 do Provimento 63/2017-CNJ exige unicamente: (a) exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho; (b) minuciosa verificação da identidade do requerente, mediante coleta, em termo próprio, por escrito particular, conforme modelo, de sua qualificação e assinatura, além da “rigorosa conferência” dos documentos pessoais; (c) colheita da assinatura do pai e da mãe do reconhecido, caso este seja menor; (d) se o filho for maior de doze anos, o consentimento deste; (e) coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado. Com a ausência de participação dos profissionais das outras áreas do conhecimento, como psicologia, assistência social e educação, é muito difícil ao oficial formar, a partir de base empírica, a convicção necessária à fundamentação da recusa decorrente da “dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho”, hipótese que leva à remessa do feito ao juiz competente (art. 12 do Provimento 63/2017-CNJ).

O Código de Normas e Procedimentos dos Serviços Notariais e de Registro do Estado da Bahia, recentemente atualizado para incorporar, no seu art. 645-A, os dispositivos editados no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça, regula a submissão de projetos de desmembramento de imóveis ao Registro Imobiliário e exige que o pedido seja acompanhado da seguinte documentação: (a) título de propriedade do imóvel ou certidão da matrícula; (b) histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 (vinte) anos, acompanhado dos respectivos comprovantes; (c) certidões negativas de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel; de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 (dez) anos; de ações penais com respeito ao crime contra o patrimônio e contra a Administração Pública. (d) certidões dos Cartórios de Protestos de Títulos, em nome do loteador, pelo período de 10 (dez) anos; de ações pessoais relativas ao loteador, pelo período de 10 (dez) anos; de ônus reais relativos ao imóvel; de ações penais contra o loteador, pelo período de 10 (dez) anos; da Secretaria do Patrimônio da União, se tratar de terreno de Marinha; (e) cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de verificação pela Prefeitura Municipal, da execução das obras exigidas por legislação municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluviais ou da aprovação de um cronograma, com a duração máxima de quatro anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras; (f) exemplar do contrato-padrão de promessa de venda ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão, obrigatoriamente, as indicações previstas no art. 26, da Lei nº 6.766/1979; (g) declaração do cônjuge do requerente de que consente no registro do loteamento; (h) aprovação da Gerência do Patrimônio da União, quando se tratar de terreno de Marinha (art. 174 do Provimento Conjunto nº 009/2013-CGJ/CCI, DJe 30/1/2018).

Sendo o caso de desmembramento de imóveis rurais, a Lei de Registros Públicos exige “memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA” (art. 176, § 3º). Ou seja, não pode o oficial do registro de imóveis fazer constar nos assentos informação que não esteja respaldada por manifestação técnica de profissional especializado. Mas o de registro civil das pessoas naturais pode executar o serviço de inclusão de até dois pais e duas mães, assim constituindo situação jurídica determinante para o desenvolvimento de criança ou adolescente, apenas ouvindo as pessoas que assim o requerem. Se danos decorrerem dessa inclusão, caberá ao prejudicado provar a culpa ou o dolo do serventuário, considerando a recente alteração da Lei nº 8.935/1994, na parte em que dispõe sobre a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, prevista no art. 236, § 1º, da Constituição Federal, que era objetiva até a entrada em vigor da Lei nº 13.286/2016, em 11/5/2016, que alterou o art. 22 da referida norma, redigido originalmente nos seguintes termos: “Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”.

A maior preocupação com a higidez de títulos de propriedade imobiliária do que com a situação existencial de crianças e adolescentes representa sinal claro de que ainda se vive, no Brasil, uma realidade marcada pelo patrimonialismo, herança de um passado colonial, com longo histórico de violações sistemáticas e institucionalizadas a direitos humanos. O Provimento 63/2017-CNJ não atende a parâmetros mínimos de cautela frente à situação de crianças e adolescentes que podem ser vítimas de adoção ilegal, destinada muitas vezes à exploração sexual infantojuvenil, ou de abandono posterior por pessoas que, no calor da emoção, decidam adotar à brasileira e se arrependam logo em seguida, na primeira crise que venha a afetar o relacionamento com o pai ou a mãe biológica da pessoa em desenvolvimento.

Para prevenir esses e outros danos é que o Legislador dispôs sobre o rígido controle do processo judicial de adoção, exigindo prévio cadastramento e constante orientação dos interessados, estudos multidisciplinares, participação do Ministério Público, intervenção de defesa técnica, dentre outras cautelas procedimentais. No âmbito das varas de família, conforme previsão do art. 694 do Código de Processo Civil, o juiz também deve “dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento” e as partes têm direito a receber “atendimento multidisciplinar”.

Buscando evitar que atos normativos monocráticos venham a exercer, em caráter abstrato, como ocorria em passado recente, forte influência sobre a vida das pessoas, é que a Constituição Federal de 1988 fixou a reserva de lei em matéria de direito civil (art. 22, I), baseada no valor da deliberação democrática e no importante papel a ser desempenhado por centenas de representantes eleitos nas discussões que antecedem o amadurecimento de questões fundamentais para a vida do cidadão e a sua inclusão na ordem jurídica de forma inovadora.

Considerando a violação de dispositivos da Constituição Federal, requerem à Assembleia Geral do Proinfância que, nos termos do art. 10, I, do Regimento Interno, submeta a matéria à Procuradora-Geral da República, por meio de representação para ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade com pedido liminar.